O Yoga

Muito se fala hoje em dia a respeito do Yoga. Muitas definições já foram dadas, mas às vezes temos a sensação de que alguma coisa fica faltando, de que o Yoga se recusa a ficar aprisionado num conceito. Isso acontece porque essas quatro letras juntas significam muitas coisas; algumas, antagônicas entre si. E o Yoga acaba sendo sempre mais do que as palavras podem expressar.

Algumas pessoas definem o Yoga como arte ou ciência. Outras, como exercício ou técnica. Outras, como doutrina ou religião. Há gente que pensa que o Yoga seja um estilo de vida ou uma cultura. Porém, originalmente, o Yoga nasceu como uma visão muito especial sobre o ser humano e seu papel na ordem das coisas, que incluía um caminho prático para o crescimento pessoal. Um caminho que conduz o ser humano à compreensão de si mesmo.

Uma das possíveis traduções da palavra Yoga que figuram no dicionário sânscrito é união, mas Yoga igualmente significa aplicação. Ou seja, o Yoga seria o meio e o fim ao mesmo tempo. Jaideva Siṅgh, no comentário doVijñānabhairava (p. XIII), um antigo texto tántrico, afirma:

A palavra Yoga é usada tanto no sentido de união (com o Divino) como no de veículo (upāya) para essa união. […] Desafortunadamente, nenhuma palavra foi tão profanada nos tempo modernos como a palavra Yoga. Andar sobre o fogo, tomar ácido lisérgico, parar o batimento cardíaco, etc. se consideram Yoga quando, a bem da verdade, não têm nada a ver com ele. Mesmo os poderes psíquicos [siddhis] não são Yoga. Yoga é consciência; transformação da consciência humana em consciência divina.

Assim, podemos considerar que o Yoga seja um meio e um fim ao mesmo tempo. Tudo o que fazemos na vida são meios para obter coisas. O que fazemos agora é um fim em relação a outra coisa, que por sua vez será um meio para realizar uma terceira, e assim sucessivamente. Porém, deve haver alguma coisa que seja apenas um fim em si mesmo, um fim último, que não sirva como meio para mais nada. Cabe lembrar igualmente que não existem fins separados dos seus meios. Para o yogi, a liberdade é esse objetivo supremo.

Em sânscrito, liberdade se diz mokṣa. Concretamente, mokṣa é libertar-se de condicionamentos e crenças, obstáculos para o crescimento, a plenitude e a realização da própria felicidade. Ensina a Bhagavadgītā: Yogaśkarmaśu kauśalam (“Yoga é perfeição na ação”). Essa é uma visão tão ampla como simples da prática: qualquer ato pode fazer-se como  prática yogika, contínua e constante.

Mas aqui temos um paradoxo: o que significa perfeição? A perfeição na ação não deve tomada no sentido de fazer uma ação “perfeita” na execução dos seus detalhes (por essa conta, um ladrão hábil poderia ser considerado umyogi), mas em fazer fluir as próprias ações em harmonia com o dharma, o bem comum, reconhecendo que nosso privilégio é escolher como, quando e onde agir, mas não tentar controlar ou escolher os resultados das nossas ações.

Noutras palavras, perfeição significa viver consciente. Ao mesmo tempo, deve tomar-se o cuidado de não deixar que a busca dessa perfeição se transforme em uma obsessão. O grande sábio Patañjali explica o mesmo com outras palavras no Yogasūtra, II:26: “Discernimento constante é o meio para destruir a ignorância”. A ignorância sobre nós mesmos é a causa de todas as formas de sofrimento e aflição.

Por outro lado, o Yoga não fica no plano das ideias nem se restringe unicamente a uma série de exercícios feitos na sala de prática. Com isso em mente, podemos dizer que praticar o Yoga é como participar de um jogo: conhecendo as regras, jogamos por amor, relaxados, para conviver, apoiar e crescer junto àqueles que amamos.

Mesmo se você não tivermos nenhuma experiência com os detalhes técnicos dos exercícios do Yoga, lembremos que nossas atividades diárias, como trabalhar, criar os filhos ou estudar, podem ser vistas como prática. É por isso que o Yoga é um jogo, cuja única regra é permanecer totalmente consciente o tempo todo, de cada ato, a cada momento.

Talvez possamos achar que o Yoga é algo separado de nós mesmos ou do nosso dia-a-dia. Algo que fazemos em algum momento e deixamos de fazer no momento seguinte, como ir às compras ou falar ao telefone. O Yoga é para ser vivido, de maneira atenta e equânime. Esse viver consciente, essa atentividade constante é a essência da prática e ao mesmo tempo o fruto do amadurecimento emocional, que é um processo gradual.

Por isso, não convém dizer “eu faço Yoga”, pois, em verdade, nós não fazemos Yoga. Ele já está feito! Entramos em Yoga (união) em certos momentos, através das atitudes equânimes. Isso tem a ver com o viver, com estar plenamente cientes do momento presente, com o ar que entra pelas nossas narinas enquanto lemos isto. Se não formos usar o Yoga como ferramenta para o crescimento, não faz muito sentido querer estudar sobre ele. Isso equivaleria a contentar-se com ver uma foto da praia, ao invés de ir pessoalmente dar um mergulho nela.

O Yoga é para todos. Não é apenas para pessoas sadias ou doentes, jovens ou velhas. É para seres humanos, e não consiste em substituir o sistema de valores ou mitologias do mundo ocidental por outro exótico, não é escapismo ou uma resposta desesperada ao vazio que a sociedade oferece.

A partir da definição que Patañjali dá no Yogasūtra, II:2 “Yoga é a supressão da [identificação com] as modificações da psiquê”, vemos que a prática começa numa sede profunda por transcender os condicionamentos; vemos a necessidade de desenvolver as potencialidades humanas e realizar aquela que é a mais alta aspiração humana: ousar viver a plenitude e a felicidade.

O método pelo qual o Yoga pretende atingir esse objetivo é a reflexão para a autocompreensão e o encontro do nosso lugar na ordem maior. Nesse contexto, a prática de āsanas, prāṇāyāmas e meditações busca reavaliar valores e paradigmas, libertar o corpo vital das inevitáveis couraças que fomos criando ao longo do tempo e polir o espelho do coração para que as emoções possam refletir a plenitude.

Múltiplo em suas diferentes correntes e manifestações, o Yoga foi sempre fiel a um modo de ver o homem e de serví-lo: após a disciplina e a paciência exigidas pela prática, sente-se a calidez da sua solicitude carinhosa por todos e respeito por toda a criação. Seu caminho é radical mas acessível a todos e nos leva ao reconhecimento de que já somos a felicidade que estávamos buscando. Boas práticas. Namaste!

Fonte: Yoga.pro.br

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